Autismo: audiência pública debate saúde, educação e direito da pessoa com o transtorno
Publicada em 17/05/2019 20:36
Evento registra maior público em uma audiência pública realizada na Câmara Municipal de Ipatinga
A Câmara Municipal de Ipatinga realizou na noite da última quinta-feira (16), no plenário da instituição, audiência pública com o tema, “Autismo: Conhecer para Acolher”. O evento, de autoria do presidente da Casa, vereador Jadson Heleno, contou com participação de especialistas, agentes públicos e público em geral.
Foi grande a participação popular. Cerca de 400 pessoas compareceram ao evento. Além do público que encheu o plenário, foram necessários mais dois telões no hall de entrada da instituição. Cadeiras foram disponibilizadas na parte de fora do plenário para dar mais conforto aos convidados, na maioria pais, amigos e familiares de crianças e adolescentes com o transtorno do espectro autista. Segundo técnicos da Câmara, essa foi a audiência pública com o maior comparecimento já registrado.
Público presente lotou o plenário da Câmara Municipal de Ipatinga...
O presidente Jadson Heleno foi quem abriu o evento. Ele reforçou a importância de se criar políticas públicas permanentes em relação ao tema. Disse que muito se avançou em Ipatinga, mas que ainda não é suficiente.
“Percebi que precisamos nos debruçar mais sobre o tema. Muitos pais ainda não sabem o que fazer quando precisam de um atendimento especializado. Por isso precisamos avançar mais nas políticas públicas voltadas para essas discussões. E essa é uma das propostas dessa audiência”.
... e também marcou forte presença no hall de entrada da instituição, com a instalação de telões
Jadson traçou três pontos centrais que merecem atenção especial do Poder Público. “Primeiro, precisamos criar um fluxo de atendimento contínuo e permanente na saúde, com equipe multidisciplinar, que englobe médicos, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos. Precisamos também dentro da saúde garantir o fornecimento dos medicamentos necessários. E, por fim, na educação, preparar adequadamente professores e auxiliares”.
O parlamentar lamentou que muitos alunos autistas tenham que dividir a atenção de um profissional de educação. “Em algumas escolas, há duas, três crianças para cada auxiliar, dificultando o avanço do aprendizado e a integração com os demais colegas da turma”.
Presidente da Câmara, vereador Jadson Heleno, autor do requerimento pela audiência, abre o evento: "Poder Público precisa implantar uma política pública permanente voltada ao tema"
O vereador Avelino Cruz também subiu à tribuna para dirigir a palavra ao público. Pai de um jovem autista, Avelino dividiu seu drama pessoal com a plateia. Emocionado, contou as dificuldades em matricular o filho em uma escola particular.
“E foi somente numa escola pública que meu filho recebeu a atenção devida. Hoje ele, já com seus 14 anos de idade, é o primeiro aluno autista de uma escola estadual”.
Segundo ele, ainda há um caminho longo a ser percorrido. “Faltam profissionais de saúde, educação. Hoje nossa cidade não tem uma estrutura adequada para acolher o autista. É por isso que essa audiência é uma maravilhosa oportunidade para a gente falar, mostrar, compartilhar nossas experiências. É a sociedade civil se reunindo com o meio político nesse diálogo na busca de soluções”.
Representantes do governo municipal também estiveram presentes. Eva Sônia Silva, secretária municipal de educação, disse que, apesar das limitações, muito se avançou. “Anos atrás, não tínhamos educação inclusiva. Sabemos da importância da preparação adequada do profissional de educação e estamos empenhados nesse objetivo”
Ela apresentou números sobre os profissionais envolvidos diretamente com os estudantes autistas. “Em nosso Plano de Carreira, constam 80 assistentes. E já contratamos mais 160 profissionais de educação especial.”. Segundo a secretária, houve um aumento de alunos em relação ao ano anterior. “Em 2018, atendemos 149 alunos. Este ano, já são 380 estudantes, um aumento considerável. Estamos fazendo o possível para atender e atender bem esses jovens”.
Érica Dias Lopes, secretária de saúde, seguiu o discurso de sua colega da educação. Disse que, embora as dificuldades existam, muito se tem feito, apesar da escassez de recursos. “Todas as despesas vêm de recursos próprios. Os governos federal e estadual não têm contribuído. É preciso buscar nas instâncias superiores o financiamento desses atendimentos”.
A secretária afirmou que as despesas terapêuticas são frutos de decisões judiciais. “Nem por isso deixaremos de cumprir nossa obrigação com a saúde. Em 2017, foram gastos R$ 800 mil. Já em 2018, R$ 900 mil foram direcionados para esses atendimentos”.
O psiquiatra da infância e juventude André Luiz de Toledo foi o primeiro profissional de saúde a falar. Ele elogiou a mobilização pela audiência pública. O médico destacou a importância do diagnóstico precoce. “A partir do momento que há a possibilidade de a criança ser diagnosticada com autismo, é de extrema importância que a família a leve a um profissional especializado. Quanto mais precoce o início do tratamento, melhor é a resposta clínica”.
O psiquiatra André Luiz Brandão de Toledo fala durante audiência pública
A idade, segundo ele, é fundamental. “É uma corrida contra o tempo. Os neurônios nos primeiros anos de vida são extremamente sensíveis a estímulos”.
Embora haja desafios enormes, diz, muito se avançou. “Há 10, 15 anos, quando iniciei meu trabalho, o autista era mantido em ambientes escondidos, e isso já mudou, houve investimentos e mais conscientização”
Já a neuropsicóloga Paula Lucas destacou a importância de se individualizar a abordagem. “Não existe uma pessoa com autismo igual a outra. E não existe uma forma de intervenção que se adeque a todas as realidades”. Ela, cujo trabalho se baseia na intervenção precoce, reforçou o que o doutor André Toledo havia dito. “O diagnóstico precoce é fundamental. Quando iniciei, recebia crianças com seis, sete anos de idade. Hoje, chegam crianças com menos de um ano de idade. Isso é um grande avanço.”
Para ela, o triângulo família, escola e profissionais é fundamental. “Qual é a receita? A receita é uma tarefa de muitas mãos. Não é só o professor, não é só o médico, não é só a família. São todos, integrados. E esse é um grande desafio”.
A neuropsicóloga Paula Lucas explica ao público pontos relavantes sobre o transtorno do espectro autista
A audiência seguiu com a fala da advogada Renata Ferraz Oliveira. Especialista no assunto, a advogada, que possui uma filha com o transtorno, explicou os principais direitos dos autistas e familiares. Ela destacou a Lei Federal nº 12.764/12, que dispõe da Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista.
“Entre outras abordagens, a lei garante os mesmos diretos de uma pessoa com deficiência”. Ela esclareceu alguns pontos muitas vezes desconhecidos por familiares. “Todos os estudantes autistas têm direito a um acompanhante especializado. Não é um estagiário, não é um cuidador. É um profissional com formação especializada”.
Além disso, afirma, o portador do transtorno não pode ser cobrado a mais por ter um profissional à disposição. “Cobrar mais na mensalidade pelo fato de ser autista é crime, cabendo multa ou até mesmo uma pena de reclusão de 2 a 5 anos. Quem passar por isso pode fazer denúncia ao Ministério Público ou ir a uma delegacia fazer um boletim de ocorrência”. Ela dá a dica para quem não tiver condição de arcar com um advogado: procurar a Defensoria Pública, no bairro Cariru.
A advogada Renata Ferraz Oliveira juntamente com sua filha durante audiência pública
Renata Oliveira alertou que nenhuma escola pode negar matrícula de qualquer estudante com o transtorno, mesmo se já houver alunos autistas na turma. “A escola não pode alegar que a turma já possui dois, três estudantes com autismo. Tem que aceitar o novo aluno e adequá-lo na mesma turma, se necessário”.
Ela destacou também outros direitos: prioridades em filas de supermercados e bancos; passe livre em linhas interestaduais; desconto em passagens aéreas ao acompanhante; desconto de 30 % na aquisição de veículos; prioridade em tramitação processual; benefício de prestação continuada para famílias com renda por pessoa de 1/4 do salário mínimo e redução da jornada de trabalho para os pais que possuem cargos públicos.
Em seguida, foi a vez do servidor da Câmara Daniel Guedes Soares falar. Presidente do Centro de Integração Azul (CIA) e pai de uma criança autista, Daniel explicou um pouco o papel da associação. “Temos o objetivo de acolher as famílias. Não possuímos nenhuma renda, nenhuma fonte de recurso”. Ele explicou que nem mesmo havia um local fixo para reuniões. “A Câmara teve a sensibilidade de ceder uma sala para que possamos realizar nossos encontros, que são realizados no primeiro sábado de cada mês, às 15h. Convido a todos a participar da próxima reunião, marcada para o dia 1º de junho”.
Daniel Guedes Soares, presidente do Centro de Integração Azul (CIA); reuniões são no primeiro sábado de cada mês, às 15h, na Câmara Municipal de Ipatinga
Após a explanação dos convidados, foram abertas perguntas ao público. Os formulários com os questionamentos foram entregues aos convidados. Algumas perguntas foram respondidas. Ficou acertado que as demais respostas seriam enviadas à Câmara para serem postadas nos canais de comunicação da instituição.
Além dos vereadores mencionados, também estiveram presentes os parlamentares Fábio Pereira dos Santos, Lene Teixeira e Cassinha Carvalho.
Perguntas foram encaminhadas aos convidados, e as respostas serão disponibilizadas em breve nos canais de comunicação da Câmara